Livro de Leis

No texto anterior, discutimos sobre a função dos rituais e trouxemos à lembrança a divergência entre a Tia Neiva e o Pai João de Enoque sobre a necessidade da edição de um Livro de Leis. Para aqueles que não assistiram ao vídeo que expõe esse fato, repostamos o trecho em que o Trino Jaruã, mestre Bálsamo, relata esta história:

Segundo Bálsamo, Pai João de Enoque disse, utilizando a clarividente como aparelho mediúnico, a seguinte frase sobre a escrita do Livro de Leis:

Entre o mal de tê-lo, pior mal será não tê-lo.

Há nessa frase de Pai João, a decisão sobre uma questão que deveria ser ponderada entre prós e contras. Tia Neiva se preocupava com a mecanização dos médiuns em relação a rituais escritos. Pai João, por sua vez, mesmo sabedor desse risco, via um risco maior na profusão de jeitos diferentes de fazer um mesmo trabalho, conforme se vislumbrava o crescimento da doutrina, em número de médiuns e templos.

Era preciso de algum modo assegurar uma uniformização mínima aos trabalhos. Por exemplo, para que um Randy fosse minimamente eficiente, ele deveria ser feito de um dado modo, e que esse modo fosse repetido em qualquer momento e em qualquer templo do Amanhecer.

Isto nos traria unidade e o mínimo de eficácia na cura desobsessiva.

Desta forma, o Livro de Leis realmente é necessário. Contudo, é imprescindível que tenhamos olhos atentos para o perigo da mecanização da doutrina.

É nesse ponto de atenção que este e outros textos se concentrarão.

Com o passar do tempo, e sem uma reflexão oficial sobre este assunto, esta mecanização se cristalizou em nossa doutrina. Assim, nem Trinos, nem Adjuntos, nem corpo mediúnico, acabaram se conscientizando disso.

Explicarei o porquê desta cristalização.

A Magia de Nosso Senhor Jesus Cristo, a nossa força cabalística, portanto os nossos rituais, nossos cantos e gestos formam um método potente de concentração da mente e de capacidade de manipulação de energias. Como dito, no texto anterior, desde que fundamentados no bem, seguindo as três palavras: amor, humildade e tolerância.

Este pensamento acima é fundamentado no trecho a seguir, retirado da carta Ectolítero, Ectolítrio e Ectoplasma de 1980, quanto Tia Neiva diz:

Estas atitudes de rituais e de comportamento e de compromissos tornam a mente do homem perceptiva.

Portanto, o ritual tem como função ser uma ferramenta poderosa que pode catalisar o pensamento no bem. Esta é a Magia. Os ritos, os cantos e gestos podem tornar nossa mente mais perceptiva às influências do bem.

Entretanto, se nos preocuparmos de forma exclusiva à execução dos rituais, nos tornamos mecânicos, autômatos: os conhecidos robôs místicos.

E, meus irmãos, é isto que fazemos muitas vezes em nosso dia-a-dia no Templo. Não porque somos maus ou incautos, mas porque é mais fácil nos preocuparmos com aquilo que é mais superficial. O que é mais fácil, eu ser um bom executor de ritual ou eu vigiar se meu pensamento está focado no bem durante este mesmo ritual?

O trabalho incessante nos livrará das dores nos disse Pai Seta Branca, mas trabalhar no Amanhecer é ser um polo ativo no bem e não meramente um executor de rituais. Se assim fosse, bastaria a nós que nos internássemos no templo, participando diariamente de todos os trabalhos possíveis, sem nos preocuparmos com nossa transformação individual, para que conseguíssemos nossa evolução espiritual.

Entretanto, não é isso o necessário para nossa caminhada a Deus. Os trabalhos seguem o plano de caridade aos que sofrem e de educação a nós médiuns.

Gostaria agora de ressaltar algumas distorções que vivemos hoje. O objetivo não é apontar o dedo a quem quer que seja, mas sim propor que mudemos nossa tônica de pensamento. Porque a compreensão atual sobre nossas leis ritualísticas promovem, muitas vezes, o campo fértil não somente para discussões acaloradas, mas também para a dissensão total entre nós, irmãos de jornada.

Evidencio aqui, para dar exemplo, algumas distorções:

  • As transformações de rituais formam e formaram as causas principais dos rompimentos institucionais da corrente. Considero esta distorção a mais crítica e a mais perigosa para nós, como corrente mediúnica.

Neste contexto, é preciso entender que, em tese, não são necessárias transformações ritualísticas, mas quando, por algum motivo, seja necessária uma nova adaptação, esta deve ser harmônica e concordada pelo corpo mediúnico. Exemplo de tranformação que ocorreu sem grandes divergências foi a mudança do ritual da Recepção da Escalada, ocorrido entre os anos 1990 e 2000. O ritual foi mudado e isso não gerou qualquer cisão entre nós.

  • Harmonizações de dados trabalhos são alçadas ao patamar de leis. De modo que em determinados rituais, aquilo que o comandante deveria dizer, conduzindo de forma espontânea as mentes dos participantes, é substituído por um roteiro escrito, lido ou decorado, para a preparação daquele ritual. Exemplo: Iniciação Dharman-Oxinto, Julgamento, Aramê, Contagem.

  • E, por fim, a sensação generalizada que temos entre nós de que qualquer movimento errado, qualquer palavra dita de forma equivocada, traz um prejuízo fatal ao trabalho, ou seja, tudo no ritual é perdido porque a conexão com a espiritualidade só se dá se somos perfeitos no ritual.

A perfeição cabalística, repito, se dá não pela execução correta de palavras e gestos, mas sim pela conexão com a espiritualidade maior, orientada ao bem, onde uma sucessão de passos ritualísticos gerais facilitam este processo.

Assim, irmãos de jornada, espero contribuir com alguma reflexão a este tema que tanto impacta nossa caminhada na doutrina.

Salve Deus!